sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Infraestrutura para Inovação: Bandalargando a Economia

ARTIGOS ESPECIAIS

13/02 - 18:45

Infraestrutura para Inovação: Bandalargando a Economia

São Paulo, 12 de fevereiro de 2009 - Vale o cliché: na dificuldade é que se enxerga as novas oportunidades. Em um recente editorial de opinião no Wall Street Journal, Samuel Palmisano, chairman e CEO da IBM, faz um chamado ao novo governo americano que parece ser consensual no setor de tecnologia: mesmo em meio ao desespero (“há que se fazer algo, qualquer coisa, de modo a fazer a economia voltar a fluir”), é preciso aproveitar o momento para criar mais e melhores empregos, cultivar competências de verdadeiro valor, e não simplesmente reparar mas preparar a economia para o novo milênio. Ao invés de assumir projetos simplesmente pela mera criação de atividade econômica, é preciso transformar. Argumentando que investir em inovação custará menos e produzirá resultados mais rápidos que investir em renovação, Palmisano afirma que a infraestrutura é de longe o melhor caminho para a criação de novos empregos e o estímulo ao crescimento. Tendo sido solicitados pela equipe de transição de Obama para fazer um levantamento, pesquisadores da IBM chegaram à conclusão que um pacote de investimentos da ordem de US$30 bilhões em três áreas – redes elétricas inteligentes, assistência médica, e banda larga – poderia levar à criação de 1 milhão de novos empregos em um ano. E isso seria possível porque esses tipos de infraestrutura têm efeitos multiplicadores sociais muito mais significativos que as tradicionais infraestruturas como pontes e estradas.

Em analogia com a construção das grandes rodovias interestaduais nos anos 1950s que permitiram o transporte rápido de ativos físicos, com o conseqüente crescimento econômico, hoje no mundo digital em que os principais ativos estão online e são negociados virtualmente, é de se esperar que as comunidades com acesso a banda larga verão crescer sua oferta de empregos a uma taxa bem mais favorável. Evidências científicas de que esse impacto é real e mensurável estão num relatório para o Departamento de Comércio intitulado “Measuring Broadband’s Economic Impact” (Fev 2006), em que pesquisadores do MIT concluem que entre 1998 e 2002, as comunidades nas quais banda larga estava amplamente disponível experimentaram um crescimento mais rápido em empregos, número total de empresas, e mais especificamente no número de empresas nos setores de uso intensivo da tecnologia da informação. Embora não tenha sido encontrado um impacto estatisticamente significativo nos níveis de salários, os efeitos da disponibilidade da banda larga até 1999 podem ser observados em valores mais altos de propriedades em 2000. A pesquisa utiliza os dados da Federal Communications Commission, “Form 477”, com dados demográficos e econômicos do US Population Censuses and Business Establishment Surveys. A análise classificou os 22390 códigos de endereçamento postal pela disponibilidade de banda larga, e comparou os indicadores econômicos por um longo período, de modo a ver se desvios consistentes da tendência secular eram observáveis, e ao mesmo tempo buscando por fatores que sabidamente influenciam a disponibilidade de banda larga e a atividade econômica, tais como renda, níveis de educação, e localização urbana versus rural.

Supreendentemente, os Estados Unidos “inventaram” a internet mas é apenas o 12o país no mundo em penetração de banda larga, e o 15o em velocidade média de banda larga, conforme um levantamento da OECD divulgado em Junho de 2008. Considerando que US$6 bilhões seria pouco para reparar tamanho “vexame”, Saul Hansell escreve no seu artigo “Banda Larga Precisa de Estímulo?” (NY Times, 21/01/08), que a proposta está correta, pois o vexame não procede: com a nova tecnologia de modem para transmissão a cabo sendo disponibilizada, 19 de 20 domicílios americanos serão capazes de ter serviço de internet mais rápido que qualquer um hoje disponível em qualquer parte do mundo. E isso sem que um novo cabo sequer seja instalado. Segundo Hansell, instalar um novo cabo de fibra ótica para cada domicílio americano pode muito bem aumentar a competição entre provedores de banda larga, mas não é necessário para fornecer serviço de internet de alta velocidade. Os atuais modems utilizados em transmissão a cabo usam apenas um dos mais de 100 canais num sistema de cabo típico, e podem oferecer velocidades de 16 megabits por second ou mais. A próxima geração de modems, usando uma tecnologia chamada Docsis 3, permite que vários canais de video sejam combinados para oferecer o que, em última análise, pode ser o serviço de internet tão rápido quanto 1 gigabit por segundo — 10 vezes mais rápido do que o que é oferecido no Japão, que é o país geralmente considerado como tendo a infraestrutura de banda larga mais rápida.

Na mesma semana da publicação do texto de Palmisano, em artigo para o Mercury News intitulado “It’s time to broadband our economy”, John Chambers (CEO da Cisco) vai mais adiante ao argumentar que a banda larga tem o potencial de verdadeiramente transformar a economia pois deverá criar empregos exatamente nos setores de crescimento — empregos que impulsionam a economia de colaboração e interação. O poder econômico da banda larga provém de duas fontes: a primeira é o alcance — quantas pessoas estão usando banda larga no trabalho, em casa, e na comunidade. A segunda é velocidade — as velocidades da conexão determinam o impacto sobre o comportamento do usuário. Com efeito, a circulação de bens e serviços na rede deverá aumentar significativamente uma vez que os meios de transporte se tornem mais rápidos, mais estáveis e mais seguros.

Dos US$825 bilhões do pacote de estímulo econômico estão previstos US$6 bilhões para melhorar a infraestrutura de banda larga – porém sem a tão reivindicada redução/isenção de impostos. Um resumo da proposta revelada por congressistas do Partido Democrata pede que o dinheiro seja usado para "projetos de banda larga e rede-sem-fio em áreas mal servidas de modo a fortalecer a economia e prover oportunidades de negócios e de empregos em cada recanto da América, com benefícios ao comércio eletrônico, à educação, e à assistência médica. Para cada dólar investido em banda larga, a economia vê um retorno dez vezes maior sobre aquele investimento." Chambers traz alguns dados numéricos importantes: incluir banda larga no pacote de estímulo econômico não é apenas uma visão de longo prazo — a criação de empregos será imediata, pois a Communications Workers of America estima que 97.500 empregos resultariam de cada US$5 bilhões investidos em infraestrutura de banda larga. A longo prazo, um aumento de 10% no uso da banda larga nos EUA significaria um acréscimo de 2 milhões de empregos, conforme o grupo Connected Nation. E, somente na Califórnia, aumentar o uso da banda larga poderia adicionar 1,8 milhões de empregos nos próximos 10 anos, conforme o Sacramento Regional Research Institute. Um relatório da Information Technology & Innovation Foundation (ITIF) diz que um pacote de estimulo de US$10 bilhões em um ano em redes de banda larga deve levar à criação de 510 mil novos empregos, aí incluídos os instaladores de cabos de fibra ótica, mas cuja maioria virá de negócios que criam novos produtos e serviços usando a capacidade melhorada das redes de comunicação – isso é o que o ITIF chama de “efeitos em rede”. Entre esses novos serviços podem estar incluídos novos serviços de educação e treinamento online, e assistência médica. Por sua vez, Palmisano lembra que o investimento em registros eletrônicos de saúde (usados por menos de 20% de organizações de assistência médica, conforme um estudo recente financiado pelo Department of Health and Human Services) estimularia a integração e a eficiência em todo o sistema de assistência médica, pois significaria integração – desde o diagnóstico, a descoberta da droga e dos hospitais/clínicas até as seguradoras, empregadores, pacientes e comunidades.

Recentemente, num artigo intitulado “Um Plano de Estímulo à Banda Larga. Será que os investimentos do governo em tecnologia das comunicações sem fio e internet conseguirão disparar uma nova onda de crescimento de empregos?”, Michael Mendel (“chief economist”, BusinessWeek) começa lembrando que, em meio à crise econômica, pelo menos um setor tem demanda ainda crescente: o número de mensagens de texto, telefones sem fio, e usuários de internet ainda parece continuar crescendo. “Mais do que nunca, estamos na Era das Comunicações, em que as pessoas demandam mais e melhores conexões à aldeia global”. Após algumas analogias com o setor automobilístico, beneficiado no passado com o investimento governamental na infraestrutura, Mendel conclui, num tom positivo, que nos dias de hoje criar empregos no setor de comunicações, onde a demanda está crescendo, tem tudo para ser mais fácil que criar empregos em indústrias como a automobilística, onde a demanda está encolhendo. “É sempre mais fácil empurrar uma porta aberta”.

Se forem dadas as devidas chances (e a infraestrutura, naturalmente) à sorte, quem sabe o otimismo de David Hornik (“Innovation Doesn’t Take a Vacation in an Economic Downturn”, Venture Blog, 21/01/08) vingará, e grandes empreendimentos surgirão da própria crise. Como diz Hornik, o empreender é um vício, não uma escolha: grandes empreendedores não são levados a criar empresas porque é fácil, ou porque há abundância de capital disponível, ou mesmo porque os mercados estão engolindo qualquer coisa que a comunidade de capital empreendedor (“venture capital”) lhes atira. Eles vêem um problema ou uma solução, ou um espaço em branco, ou uma oportunidade, e logo têm que fazer alguma coisa. Inovação não tira férias durante uma depressão econômica. Inovação é uma constante. Se o acesso a recursos pode variar com o clima econômico, o desejo – a necessidade – de inovar nunca se vai. E o capital empreendedor é o combustível da inovação.

(Ruy de Queiroz, Professor Associado, Centro de Informática da UFPE)

Gazeta Mercantil, 13/02/2009, http://gazetamercantil.com.br/GZM_News.aspx?parms=2341200,408,100,1

Nenhum comentário:

Postar um comentário