terça-feira, 31 de março de 2009

Forjando a Interação entre Conhecimento e Empreendimento

ARTIGOS ESPECIAIS

30/03 - 23:00

Forjando a Interação entre Conhecimento e Empreendimento

São Paulo, 30 de março de 2009 - Na academia ou no setor privado, inovação é o elemento mais fugidio, e mesmo assim é fundamental para a solução de problemas cruciais tanto locais quanto globais. Em seu pronunciamento de abertura da recente Semana do Empreendedorismo da Stanford University (18-25 Fev 2009), o Reitor (Presidente) John Hennessy discutiu o interplay entre o aprendizado de mais alto nível e o progresso comercial, acrescentando alguns elementos fundamentais do que significa hoje o forjar a interação entre conhecimento e empreendimento. Tendo vivido na própria pele os dois mundos (pois obteve resultados pioneiros no desenvolvimento da tecnologia RISC, e fundou empresas de alta tecnologia como a MIPS Technologies), Hennessy diz que universidades e laboratórios de pesquisa forçam as pessoas a viver na fronteira da tecnologia, e essa exploração as ajuda a descobrir aquilo que não é óbvio. Relembrando as primeiras interações com os ex-alunos Jerry Yang e David Filo, fundadores da Yahoo!, a imagem que ficou foi a do quanto a dupla se sentiu motivada pela necessidade da verdadeira navegação pela (então pouco explorada) rede mundial de computadores. De Sergey Brin e Larry Page, também ex-alunos e fundadores da Google, a lembrança mais marcante é a da evolução do significado da busca na internet à medida que o volume de dados disponibilizados crescia e, ao mesmo tempo, como a abordagem acadêmica de Brin e Page ao problema da busca se revelou prática e eficaz.

Casos como esses, embora bem posicionados no extremo do espectro do sucesso, representam mais uma regra que propriamente uma exceção em Stanford. O fato é que a síntese do ensino com a pesquisa é fundamental nessa universidade que adotou como lema “Os Ventos da Liberdade Estão Soprando” (“Die Luft der Freiheit Weht”, em alemão). Todos os docentes fazem pesquisa de alto nível, na grande maioria das vezes em associação com alunos de pós-graduação ou do final da graduação. Stanford é conhecida por sua pesquisa multidisciplinar em suas faculdades e departmentos, assim como seus laboratórios independentes, centros e institutos de pesquisa. Diversos centros nacionais de pesquisa estão localizados em Stanford, inclusive o Department of Plant Biology da Carnegie Institution de Washington, e o National Bureau of Economic Research. São mais de 4.500 projetos financiados por órgãos externos, com um total de receita de projetos girando em torno de US$1,06 bilhão no período 2008-2009, incluindo o SLAC (“Stanford Linear Accelerator Center”, acelerador linear de Stanford, que serve a todo o país). Desses projetos, o governo federal financia cerca de 85,7%. Além disso, aproximadamente US$150,2 milhões vêm de fontes não federais. No total, são mais de 4.000 estudantes de pós-graduação envolvidos em projetos com financiamento. E para garantir a propriedade intelectual de Stanford, existe o “Office of Technology Licensing” (OTL), que, no período 2007–2008, permitiu que Stanford recebesse mais de US$62,5 milhões em receita bruta de royalties de 344 tecnologias. Trinta e seis das 344 invenções geraram US$100.000 ou mais em royalties, enquanto que três invenções geraram U$1 milhão ou mais. Nos últimos dois anos (2007–2008) o OTL concluiu 107 novas licenças e avaliou cerca de 400 novas descrições de invenção em 2008. A relação de invenções licenciadas pelo OTL impressiona: John Chowning desenvolveu a síntese de som FM para sons digitalmente gerados no final dos anos 1960s, levando ao sintetizador de música; o Stanford Patient Education Research Center desenvolve programas para pessoas com problemas crônicos de saúde, incluindo artrite e HIV/AIDS, e já foi licenceado para mais de 500 organizações em 17 países; nos anos 1980s, John Cioffi e seus alunos descobriram que linhas telefônicas tradicionais poderiam ser usadas para transmissão de dados em alta velocidade, o que resultou no patenteamento da tecnologia DSL; a técnica de cifragem de mensagens baseada-em-identidade, desenvolvida por Dan Boneh e Matt Franklin trouxe uma forma eficiente de criptografar e proteger mensagens de e-mail, e levou à fundação e consolidação da empresa inovadora Voltage; nos anos 1980s, Leonard Herzenberg, Vernon Oi e Sherie Morrison descobriram como produzir anticorpos em massa; duas ferramentas ajudam no seqüenciamento do DNA, a eletroforese CHEF, inventada em 1987 por Ron Davis, Gilbert Chu e Douglas Vollrath, e o software Genscan, desenvolvido por Christopher Burge; o gen do chip, baseado na tecnologia do “spotted microarray” desenvolvida por Pat Brown e Dari Shalon, permite que os médicos criem perfis genéticos de pacientes e suas doenças; a tecnologia do DNA recombinante, desenvolvida em 1973 por Stanley Cohen e Herbert Boyer, estabeleceu os fundamentos para a engenharia genética moderna permitindo que cientistas combinem partes do DNA de diferentes organismos. Para que se dê um salto bem sucedido do laboratório de pesquisa para o empreendimento, é imperativo entender por que empresas que fincam raízes na academia ou num ambiente de pesquisa são mais bem sucedidas que outras startup’s. Na opinião de Hennessy, esses inovadores fortemente baseados em pesquisa acabam sendo não apenas bem versados nas suas respectivas áreas, mas são também otimistas no que diz respeito ao futuro triunfo de seus projetos. Resta saber como forjar essa simbiose entre o conhecimento e o empreendimento. O espírito empreendedor de Stanford, resultado de sua localização na Califórnia e do legado de vários pioneiros, aí incluídos seus fundadores Leland e Jane Stanford, tem contribuído com a geração de mais de 3.000 empresas de alta tecnologia e outros campos. Frederick Terman, um dos pioneiros da tecnologia do anti-radar e provost (i.e., vice-reitor executivo) de Stanford no período de 1955 a 1965, é chamado de “o arquiteto acadêmico” da região de alta tecnologia conhecida como Vale do Silício, e a ele é creditada a criação das parcerias universidade-indústria que levaram ao estabelecimento de empresas chave para a revolução tecnológica que vivemos hoje. Terman incentivou o empreendedorismo entre seus alunos, criou oportunidades na Califórnia para engenheiros formados em Stanford, estabeleceu programas de educação continuada para engenheiros em empresas locais, e ajudou a fundar o parque industrial da universidade onde empresas como a Hewlett-Packard puderam se fixar. Terman criou uma cultura empreendedora que, hoje em dia, se estende a todas as disciplinas acadêmicas. Além das mais conhecidas (HP, Google, Yahoo!, Cisco, Sun, YouTube, NVIDIA), várias empresas revolucionárias foram criadas por docentes e alunos saídos do campus de Stanford: Atheros Communications, BEA Systems, Charles Schwab & Company, Cypress Semiconductor, DNAX Research Institute, E*Trade, IDEO, Intuit, Linked In, Logitech, Mathworks, McCaw Cellular Communications, Octel Communication, Orbitz, Rambus, Rational Software, Silicon Graphics, Taiwan Semiconductor, Tandem Computers, Tesla Motors, VMware, Zillow.

Do ponto de vista da academia, urge que se investigue como o ambiente acadêmico pode começar a dar sua parcela no sentido de resolver alguns dos maiores problemas enfrentados pela humanidade. Sustentabilidade ambiental, uso racional da energia, e biologia das doenças são apenas algumas das questões prementes que exigem não apenas uma simples inovação para o progresso, mas soluções interdisciplinares e colaborativas. Hennessy afirma que é de responsabilidade da universidade articular as diversas equipes que possam enfrentar essas questões e oferecê-las os recursos necessários para explorar as possíveis soluções. Segundo ele, é improvável que essas grandes questões globais sejam resolvidas de forma satisfatória por um modelo puramente de empreendedorismo.

Há que se reconhecer que nos últimos 50 anos, Stanford tem acumulado um histórico de traduzir de forma bem sucedida a pesquisa acadêmica para a prática que não encontra paralelo em nenhuma outra universidade. O espírito pioneiro que tem caracterizado essa antiga fazenda transformada em instituição de ensino superior, ainda é pervasivo. Segundo Hennessy, inovação define a cultura de Stanford, e nesse sentido a conjunção de tantos pontos fortes numa instituição, num tempo em que surgem enormes desafios em escala global, cria uma oportunidade única. Em apelo a toda a comunidade de ex-alunos, simpatizantes e admiradores em geral para que oportunidade não fosse perdida, foi lançado em 2006 o “The Stanford Challenge”, um programa de arrecadação de doações previsto para se prolongar por cinco anos. Ao que tudo indica, ainda no início da segunda metade do período previsto, o programa já superou a meta inicial de arrecadar US$4 bilhões. E esse valor veio em dinheiro e compromissos, na forma de mais de 350.000 doações de todos os tamanhos. Conforme mensagem de Hennessy, “são dois os objetivos: buscar soluções para os problemas globais e equipar seus alunos com a educação de que precisam para se tornarem líderes num mundo complexo e interrelacionado”. E as palavras chave são colaboração interdisciplinar e empreendedorismo. Conforme o portal do “The Stanford Technology Ventures Program”, as competências empreendedoras são a chave para destravar o potencial das inovações tecnológicas para resolver problemas mundiais aparentemente intratáveis.

(Ruy José Guerra Barretto de Queiroz, Professor Associado, Centro de Informática da UFPE)

Gazeta Mercantil, 30/03/2009, 23:00hs, http://gazetamercantil.com.br/GZM_News.aspx?parms=2420277,408,100,1

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