segunda-feira, 20 de julho de 2009

Dinheiro Móvel e os Desbancados

OPINIÃO / ARTIGO

Dinheiro móvel e os desbancados

POSTADO ÀS 08:14 EM 20 DE JULHO DE 2009

Por Ruy José Guerra Barretto de Queiroz

Num continente onde boa parte da população de um 1 bilhão de habitantes sobrevive com uns poucos dólares por dia ou menos, a África serve de exemplo do quanto a tecnologia tem a oferecer no quesito democratização das oportunidades. Desde cerca de dois anos até o presente, milhões de africanos têm se juntado aos japoneses no que concerne a vencer uma barreira tecnológica que ainda resiste na Europa e nos Estados Unidos, abrindo caminho para o que pode vir a ser o dinheiro do futuro.

E o Quênia é o país africano mais bem sucedido nessa empreitada: a rede M-PESA de dinheiro virtual (cujo nome significa “dinheiro móvel” em suaíli, a língua franca do país), de propriedade da Safaricom, a maior operadora de telefonia móvel do Quênia, tem sua origem na falta de infraestrutura africana, especificamente no que diz respeito à disponibilidade de agências bancárias, e o entusiasmo com o qual as pessoas têm aderido à telefonia celular. Apenas uma a cada cinco pessoas têm conta em banco, principalmente devido aos custos proibitivos de se operar agências bancárias em localizações remotas de um continente com um alto índice de pobreza. Por outro lado, o uso de telefones celulares na África cresce num ritmo extremamente rápido, saindo de 50 milhões em 2003 para 270 milhões em 2007, conforme a GSMA, associação que representa os interesses da indústria de comunicação móvel em todo o mundo, com membros em 219 países, cerca de 800 operadoras e 200 empresas do ecossistema da telefonia móvel, incluindo fabricantes de aparelhos.

Numa parceria com o Kenya Commercial Bank para permitir aos usuários de celulares que não têm conta bancária enviar e receber dinheiro pelo aparelho celular, a M-PESA chegou a uma fórmula que já atraiu cerca de 6,5 milhões de assinantes, ou um em seis quenianos, em apenas dois anos. No Japão, que foi o pioneiro tanto na tecnologia quando nos modelos de negócios dos celulares que funcionam como “carteira eletrônica”, cerca de 55 milhões de aparelhos têm a função “dinheiro eletrônico”, o que significa que metade dos japoneses já têm condições de fazer uso dessa modalidade de dinheiro. Para se ter uma idéia do que se espera nesse setor, um relatório recente da Gartner diz que o número de usuários de sistemas de pagamento móvel em todo o mundo deve chegar a 73,4 milhões ao final de 2009, um acréscimo de 70,4% em relação a 2008 quando foram registrados 43,1 milhões de usuários desse serviço. Segundo as previsões da Gartner, esse número deve passar de 190 milhões em 2012, representando mais de 3% do total de usuários de telefonia móvel em todo o mundo, atingindo um nível considerado como tendência.

No que diz respeito ao número de usuários e volumes de transação, a Gartner prevê que a região da Ásia/Pacífico e Japão continuarão com uma fatia maior do mercado até 2012. Enquanto que a penetração do pagamento móvel na Europa Ocidental deve crescer de 0,9% em 2009 para 2,5% em 2012, e de 1,7% para 3% na América do Norte, o crescimento na região da Ásia/Pacífico e Japão aumentará de 2% em 2009 para 3,8% em 2012. Por outro lado, a penetração da tecnologia do dinheiro móvel na Europa Oriental, Oriente Médio e América Latina deve passar de 3% até 2012. Não obstante, quando usado em países desenvolvidos, o pagamento móvel é normalmente uma extensão de uma infraestrutura de pagamento já existente, enquanto que em países em desenvolvimento os usuários podem combinar pagamento móvel com transação bancária móvel de forma a pagar suas contas de modo mais conveniente, e, mais importante, ter acesso a empréstimos e outros serviços financeiros que talvez não fossem possíveis antes, avalia Sandy Shen, analista da Gartner.

Além da experiência extremamente bem sucedida da Safaricom no Quênia, outras empresas de telefonia tais como a MTN da África do Sul – a maior do continente africano – e a Zain do Kuwait estão oferecendo serviços semelhantes em diversos países incluindo a própria África do Sul e a Nigéria, além de projetos-piloto no Oriente Médio e no Afeganistão. “Aparelhos celulares estão numa posição excelente para se tornarem o principal canal digital para provedores de serviços financeiros e correlatos em mercados emergentes,” avalia Marcus Persson, analista da Berg Insight.

Diversos testemunhos interessantes foram apresentados na reunião de cúpula da indústria “Mobile Money Summit” realizada em Barcelona, Catalunya, de 22 a 25/06/09, com o tema “Financially Connecting the World Through Mobile” (“Conectando Finaceiramente o Mundo Através do Celular”). Foi o segundo encontro anual sob a responsabilidade da GSMA (o primeiro havia sido realizado em 2008 na cidade do Cairo), reunindo mais de 450 executivos de instituições financeiras, operadoras de telefonia celular, fabricantes, assim como membros de agências reguladoras e responsáveis por políticas públicas. Em destaque o encontro do grupo de trabalho “MMU – Mobile Money for the Unbanked” (“Dinheiro Móvel para os Desbancados”), financiado pela Bill and Melinda Gates Foundation, criado para estimular o compartilhamento de experiências com serviços de dinheiro móvel para usuários sem acesso a conta bancária, além de diversos painéis e palestras envolvendo o tema, um deles intitulado “The Reality of Delivering Mobile Money in Developing Markets” contando com a participação de Betty Mwangi Thuo (“Chief Officer” de Novos Produtos da Safaricom) e Roberto Rittes (Diretor da Oi Paggo, Brasil).

No encontro foi apresentado também um levantamento específico sobre o caso queniano (“The Performance and Impact of M‐PESA: Preliminary Evidence from a Household Survey”), realizado por William Jack (Georgetown University), Caroline Pulver (Financial Sector Deepening, Kenya) e Tavneet Suri (MIT Sloan), conduzido entre agosto e dezembro de 2008, envolvendo 3.000 domicílios aleatoriamente escolhidos, que revela que o sistema M-PESA é hoje o meio mais popular de transferência de dinheiro no país. Alguns números do levantamento dão uma idéia do sucesso do M-PESA: (1) 8% dos usuários fazem uso diário do sistema, e 67% o utilizam pelo menos uma vez por mês; (2) apenas 1% usam o M-PESA para pagar contas, enquanto que a maioria usa para enviar e receber dinheiro; (3) 2 milhões de usuários do sistema não têm conta bancária; (3) 81% dizem que o sistema é ‘muito fácil de usar’; (4) apenas 0,03% reportam que sua transferência de dinheiro não chegou ao destino; (5) 20% dos usuários enviaram dinheiro à pessoa errada, e 77% desses usuários recuperaram seu dinheiro dentro de uma semana; (6) 84% dizem que perder M-PESA teria um ‘grande efeito negativo’ em suas vidas; (7) existem cerca de 9.000 agentes de retirada e recarga de dinheiro no Quênia; (8) mais de 95% indicam M-PESA como o método mais conveniente, mais barato e mais seguro de transferência de dinheiro; (9) 63% usam M-PESA para enviar dinheiro regularmente à família; (10) antes do M-PESA, 58% das transferências de dinheiro eram realizadas através de amigos e família, e 27% eram enviadas em ônibus; (11) 80% dos usuários do M-PESA dizem que nunca tiveram problemas com a retirada de dinheiro nos agentes.

Num artigo no blog do grupo de trabalho MMU (mmublog.org), Paul Leishman enumera “Oito Números Interessantes do GSMA Mobile Money Summit”: (1) 364 milhões é o número de clientes desbancados que deverão adotar o dinheiro móvel até 2012; (2) 4,5 milhões é o número de SIM’s (“Subscriber Identity Module”, dispositivo usado para identificar o usuário do celular) no mercado que são ‘Zap-habilitados’; (3) 40% é o percentual de domicílios quenianos que já usaram o sistema M-PESA, em números do final de 2008; (4) 41% é o número de usuários de dinheiro móvel filipinos que foram capazes de abrir uma conta de dinheiro móvel em 5 minutos ou menos; (5) 1% do PIB de um país é a economia propiciada por pagamentos eletrônicos (quando comparados a pagamentos em papel, conforme Tim Attinger da Visa); (6) 20% é a desvalorização das economias feitas pelos desbancados quando utilizam métodos informais; (7) 10 é o mínimo valor de recarga em rúpias disponíveis a usuários de dinheiro móvel indianos; (8) US$1.400.000 é o montante que o Fundo MMU alocou para projetos na África, Ásia e América Latina.

Em documento de Fevereiro de 2009, o grupo de trabalho MMU define como sua missão atingir o seguinte objetivo: “Até 2011, a ‘Mobile Money for the Unbanked Initiative’ (‘Iniciativa Dinheiro Móvel para os Desbancados’) terá viabilizado serviços de dinheiro móvel a 20 milhões novos clientes desbancados que vivem com menos de US$2 por dia. Além do mais, o dinheiro móvel: (1) será considerado tendência de negócios por operadores de telefonia móvel, (2) será extensivamente disponível àqueles que já foram desbancados, e (3) estenderá o alcance e reduzirá os custos de serviços financeiros formais tais como poupança, seguro e crédito.”

Difícil encontrar exemplo mais concreto de benefício social direto trazido pela tecnologia.

PS: Ruy é professor associado do Centro de Informática da UFPE e escreve para o Blog sempre às segundas.

Blog de Jamildo (Jornal do Commercio Online, Recife), 20/07/2009, 08:14hs,http://jc3.uol.com.br/blogs/blogjamildo/canais/artigos/2009/07/20/dinheiro_movel_e_os_desbancados_50489.php

Investimentos e Notícias (São Paulo), 21/07/2009, 01:16hs, http://investimentosenoticias.com.br/IN_News.aspx?Parms=2573676,408,100,1


Nenhum comentário:

Postar um comentário