segunda-feira, 13 de julho de 2009

Patentes, Propriedade Intelectual e Inovação na Era Digital

ARTIGOS ESPECIAIS

13/07 - 07:30

Patentes, Propriedade Intelectual e Inovação na Era Digital

13 de julho de 2009 - A tecnologia digital tem invadido cada aspecto do nosso dia a dia. Adquirimos alguns hábitos típicos era da internet como: concordar com termos de serviço ou licença de uso sem ao menos ler os textos; disponibilizar e/ou compartilhar arquivos de música ou filme; instalar programas aplicativos em nossos computadores pessoais ou aparelhos celulares. Poderíamos nos perguntar se tais usos seriam, ou mesmo morais. Certamente, a grande maioria não tem certeza da resposta. O fato é que, se por um lado os sistemas sociais, politicos e econômicos, assim como a Lei, mudam lentamente, por outro lado, a tecnologia muda num piscar de olhos. Nós, usuários, ficamos ali na lacuna entre a velocidade da inovaçãotecnológica e a lentidão das mudanças sociais.

Não obstante, com tantos benefícios à sociedade trazidos pelos avanços tecnológicos, é impossível não reconhecer a importância do conhecimento e da disseminação da informação na sociedade contemporânea. Inovações tecnológicas estão cada vez mais presentes no cotidiano, desde novos medicamentos ou equipamentos médicos mais sofisticados, a novos e “espertos” aparelhos celulares, invariavelmente produtos de novas descobertas científicas e invenções. Surge naturalmente o dilema: como incentivar a invenção e a descoberta de novos conhecimentos e, ao mesmo tempo, garantir sua ampla disseminação e aplicação? No início da era industrial nasce o conceito de proteção à invenção e à descoberta científica sob forma de patentes e propriedade intelectual. Segundo a Constituição americana, o objetivo da lei de patentes é “promover o progresso da ciência e artes úteis.” Por sua vez, a Lei brasileira 9.729/96 prevê que “a proteção dos direitos relativos à propriedade industrial, considerado o seu interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País, efetua-se mediante a concessão de patentes de invenção e de modelo de utilidade.”

Há duzentos anos, exatamente no dia 04/07/1809, encerrava-se o segundo período à frente da Presidência dos Estados Unidos de um dos pioneiros da lei de patentes norte-americana, e, sobretudo alguém que defendia que o conhecimento e o acesso ao conhecimento eram essenciais à preservação de uma democracia. Para Thomas Jefferson, o principal autor da Declaração da Independência dos EUA (1776), e um dois mais influentes defensores dos ideais do republicanismo nos Estados Unidos, a busca pelo conhecimento e por sua disseminação eram componentes necessários para o desenvolvimento econômico e uma melhor qualidade de vida para todos os cidadãos. No entanto, segundo Jeffrey Matsuura (“Thomas Jefferson and the Evolution of a Populist Vision of Intellectual Property Rights and Democratic Values,” publicado no periódico Archipelago, Vol. 10-34, March 2007), Jefferson acreditava que os direitos à propriedade intelectual propiciavam uma ferramenta útil, mas não essencial, para o incentivo à invenção, pois reconhecia que tais direitos poderiam representar incentivos econômicos para que inventores desenvolvessem e compartilhassem suas inovações.

Porém, como lembra L. Gordon Crovitz em recente artigo de opinião no portal do Wall Street Journal (“Why Technologists Want Fewer Patents”, 15/06/09), até o advento da era digital, patentes eram tipicamente para novas máquinas ou melhoramentos em máquinas existentes. Ultimamente, no entanto, as cortes americanas têm confirmado patentes para novas idéias sobre como fazer coisas, pouco ou nada relacionadas a uma máquina a não ser um computador. Aí estão incluídas patentes para técnicas em finanças, contabilidade e seguros. Mês passado, no entanto, a Suprema Corte americana concordou em reconsiderar o que pode ser patenteado, e isso deverá envolver dezenas de milhares de patentes existentes e uma reflexão sobre o papel das patentes. O fato é que a própria idéia de propriedade intelectual, que dá fundamento às leis de patentes, marcas, direitos autorais e segredos industriais começa a ser questionado. Se por um lado as criações intelectuais se constituem em bens intangíveis porém com valor, por outro lado a lei as enxerga como uma forma de propriedade, à qual se aplicam os mesmo direitos, responsabilidades e proteção que se aplicam às propriedades físicas. Como diz Larry Downes (“IP Law Versus Moore's Law”, CIO Insight, 02/05/07), “essa ficção funcionou bem no início do capitalismo, mas somente porque ‘roubar’ informação era difícil. Antes de Gutenberg inventar a prensa, o custo de copiar um manuscrito era muito alto, mas desde a Revolução Industrial, a tecnologia tem tornado mais rápida e mais barata a distribuição da informação.” Daí, a lei de patentes hoje mais se parece com uma placa tectônica entre a Era Industrial e a Era da Informação. Como em outras áreas da propriedade intelectual, as patentes estabelecem regras sobre como as invenções funcionam e como essas informações podem ser usadas e compartilhadas. O fato é que as maiores inovações hoje em dia são métodos melhores ao invés de novas máquinas. Crovitz cita um advogado do Vale do Silício que diz que “diferentemente da Revolução Industrial, muitas das invenções de hoje não nos provocariam nenhuma dor se nos caíssem em cima do pé.”

Para se ter uma idéia do quão necessária se faz uma reforma no sistema de patentes, Crovitz lembra que a IBM, que há anos tem sido a maior produtora de patentes, agora diz que estão sendo concedidas patentes em demasia. A empresa também é a líder em patentes do tipo “métodos de negócios” que pode vir a ser invalidado pela Suprema Corte americana, risco que corre também o software, cuja patenteabilidade tem sido questionada por muitos juristas.

Em seu comentário, Crovitz também chama a atenção para os custos decorrentes das disputas sobre patentes. Algo como 500 milhões de solicitações de registro por ano são submetidas ao escritório de patentes do governo americano, levando os custos de litígio a um montante superior a US$10 bilhões por ano para que se defina quem tem direito a que. Além do mais, como escreveu o jurista Richard Posner, patentes para idéias criam o risco de “gerar enorme poder de monopólio (imagine se a primeira pessoa que pensou num leilão tivesse sido permitida patentear sua idéia!).” Estudos indicam que, com exceção das indústrias química e farmacêutica, o custo de litígio hoje ultrapassa os lucros que as empresas geram das patentes licenceadas.

Concretamente, quase todo fabricante de um novo produto tem que fazer um grande esforço para se certificar de que não está violando uma patente, o que parece ser a razão pela qual a própria IBM está levantando a voz, avalia Crovitz. “Na Era Industrial, inovação era sobretudo o resultado do trabalho de indivíduos ou de pequenos grupos dentro de uma empresa," explica o advogado da IBM, David Kappos. “A natureza da inovação mudou. Hoje, nos beneficiamos de invenções que se tornaram possíveis através de tecnologias altamente colaborativas e interconectadas. Muitos dos produtos que os consumidores demandam são complexos e incluem contribuições de múltiplos inovadores que incorporam centenas, se não milhares, de invenções patenteadas.” Segundo Kappos, isso “aumenta a necessidade de que a determinação do escopo válido dos direitos à patente seja previsível e claro.” No atual estado de coisas, a imprecisão das leis de patente significa que “o tempo precioso de cientistas e engenheiros habilitados é muito frequentemente gasto se defendendo contra litígios custosos e que demandam tempo, ao invés de criar inovações e gerar crescimento econômico.” Em livro a ser lançado em Outubro de 2009 (“The Laws of Disruption: Harnessing the New Forces that Govern Life and Business in the Digital Age”, Basic Books), Larry Downes, especialista em questões legais em torno da inovação tecnológica, chama a atenção para os cuidados que inovadores têm que tomar para não serem surpreendidos com ações de violação de patente. É preciso se antecipar a desafios legais que possam vir a surgir em função da natureza do produto ou serviço inovador. Segundo Downes, crítico contumaz da natureza lenta da lei para se adaptar a novas tecnologias, especialmente tecnologias que são aplicadas rapidamente e ainda evoluem, os desafios não virão do governo, mas dos competidores, que usarão o sistema de leis para desacelerar ou parar o progresso de inovações que lhes desagradem. “Quanto mais radical for a inovação, mais provavelmente os competidores tradicionais usarão os tribunais para desacelerar ou parar seu progresso. Trata-se de uma conseqüência natural da crescente lacuna entre o potencial da tecnologia para mudar nossas vidas e nossa capacidade de nos adaptarmos rapidamente. O ritmo com que a inovação tecnológica muda as regras de uma indústria é invariavelmente mais rápido do que a indústria deseja mudar. A Lei é uma das principais armas de resistência.”

Um dos pontos principais do argumento de Downes é que a Lei é projetada para mudar lentamente, seja através da tradição da lei comum na qual juízes aplicam velhos precedentes a novos fatos, ou por meio do processo legislativo, que é feito para ser deliberativo num esforço para conter paixões e excesso de reação humanos. Trata-se de um tema que permeia seus escritos, desde o artigo ”When Software isn’t a Product” (CIO Insight, 10/07/08), que lida com a mudança do status do software de produto para serviço, e a conseqüente porém não inteiramente intencional mudança do corpo de leis que governa as transações de software, da lei de vendas à lei de licenças, até ”eBay and the Legal Problems with Online Marketplaces” (CIO Insight, 13/08/08), que analisa dois casos recentes de processo contra a empresa de leilão eletrônico eBay envolvendo sua responsabilização por permitir a comercialização de produtos falsificados. Tais casos seriam sinais de que estaríamos à beira de uma mudança de paradigma, e que uma mudança revolucionária estaria se aproximando em ritmo acelerado. Os incidentes de conflito com o sistema de leis antigo seriam mais alguns desses sinais de proximidade da revolução, que segundo Downes, é inevitável, mas não precisa ser violenta.

(Ruy José Guerra Barretto de Queiroz, Professor Associado, Centro de Informática da UFPE)

Investimentos e Notícias (São Paulo), 13/07/2009, 07:30hs, http://investimentosenoticias.com.br/IN_News.aspx?Parms=2565982,408,100,1

Blog de Jamildo (Jornal do Commercio, Recife), 13/07/2009, 08:57hs, http://jc3.uol.com.br/blogs/blogjamildo/canais/artigos/2009/07/13/patentes_propriedade_intelectual_e_inovacao_na_era_digital_50051.php


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