terça-feira, 3 de novembro de 2009

Humanos como Sensores

Humanos como Sensores

TER, 03 DE NOVEMBRO DE 2009 07:53 IN
3 de novembro de 2009 - Com a disponibilidade do iPhone, assim como de uma gama de aparelhos celulares de última geração conhecidos como smartphones, que, via de regra, dispõem de sensores tais como camera (foto e vídeo), acelerômetro, sensor de posicionamento global (GPS), sensor de proximidade, e magnetômetro (bússola digital), além do fácil acesso à internet, cada ser humano passa a ter a capacidade concreta de agir como um sensor inteligente, e suas observações podem ser cruciais numa situação de desastre natural.
Eventos de grande impacto tais como o tsunami que devastou partes do sudeste da Ásia, e o Furacão Katrina que tantos estragos trouxe a Nova Orleans, chamaram à atenção para a importância da informação geográfica em todos os aspectos do gerenciamento da emergência, assim como para os problemas que surgem logo após o evento ainda nos momentos em que as imagens ainda não estão disponíveis aos organismos de socorro e assistência. Não apenas os satélites de observação da Terra podem não passar pelas áreas afetadas durante dias, como também as próprias imagens eventualmente coletadas assim como as ações de aeronaves deslocadas para a região podem estar prejudicadas por nuvens e possivelmente fumaça. As condições em terra também podem estar dificultando a captura e o registro de imagens, seja por falta de energia, conexões de internet, ou pane em computadores ou software.
Por outro lado, a população da área atingida, além da inteligência humana, tem o privilégio da familiaridade com a região, e hoje tem à sua disposição uma combinação extremamente poderosa: a telefonia móvel e a internet interativa. Trata-se de uma realidade que se consolida a cada dia: o amplo e crescente engajamento de grandes quantidades de cidadãos comuns, frequentemente com pouca qualificação formal, na criação de informações geográficas, uma função que durante séculos tem sido reservada a agências oficiais. Em sua grande maioria, são cidadãos sem o devido treinamento científico (por isso sua participação nessa coleta de informações tem sido chamada de “ciência do cidadão”), cujas ações são quase sempre voluntárias, e cujos resultados podem ou não ser cientificamente precisos. Mas, coletivamente representam uma espetacular inovação que deverá ter profundos impactos sobre sistemas de informação geográfica. Trata-se da “informação geográfica voluntarizada” (em inglês, “volunteered geographic information”), termo inventado pelo geógrafo Michael Goodchild em seu artigo “Citizens as Sensors: The World of Volunteered Geography” (“Cidadãos como Sensores: O Mundo da Geografia Voluntarizada”), publicado em 2007 no International Journal of Spatial Data Infrastructures Research, para se referir a um caso especial do fenômeno de internet mais geral concernente a conteúdo gerado pelo usuário.
A Wikipedia é um exemplo amplamente conhecido e extremamente bem sucedido desse processo também denominado “crowdsourcing”, termo cunhado por Jeff Howe num artigo publicado no número de Junho de 2006 da revista Wired para se referir ao ato de tomar tarefas tradicionalmente executadas por um empregado ou um contratado, e terceirizá-las a um grupo de pessoas ou comunidade – em inglês, “crowd” – na forma de uma chamada aberta. Nesse processo, indivíduos são capazes, por exemplo, de fornecer os verbetes de uma vasta enciclopédia que é gerenciada por um grupo comparativamente pequeno de revisores e administradores. Tais serviços tipicamente permitem o registro e a manutenção do que se chama tecnicamente de “metadados” de forma razoavelmente estruturada. No caso da Wikipedia, por exemplo, os usuários são capazes de acessar a história completa de qualquer verbete, inclusive todas as versões anteriores e as respectivas modificações. A mudança em relação ao processo tradicional de produção de uma enciclopédia é marcante: ao invés de uma estrutura administrativa elaborada que recruta um certo número de autores, espera por suas contribuições, edita, harmoniza, e imprime o resultado, um processo que pode durar anos, a Wikipedia é montada continuamente, e seus verbetes aparecem praticamente de forma instantânea. Erros normalmente são identificados e retificados pelos próprios usuários. Mesmo não tendo a autoridade conferida por uma editora reconhecida, a Wikipedia já serviu de base para mais de muitas sentenças judiciais emitidas nos EUA: um artigo de 2007 do New York Times (“Courts Turn to Wikipedia, but Selectively”, por Noam Cohen, 29/01/07) dizia que “mais de 100 sentenças judiciais se basearam na Wikipedia, começando em 2004, incluindo 13 dos tribunais de apelação, um degrau antes da Suprema Corte”.
Com o advento do Twitter, surge o crowdsourcing de tempo real, que aliás ganhou ainda mais utilidade quando a ênfase em sua página inicial passou de “O que você está fazendo agora?” para “Veja o que as pessoas estão falando sobre...” . Trata-se de um convite a uma busca a ser realizada sobre os comentários que circulam “agora” na rede social. Pois bem, o U.S. Geological Survey (“Serviço de Pesquisa Geológica dos EUA”) reconhece o valor da informação de crowdsourcing proveniente do Twitter, e desenvolve um sistema que utiliza resultados de busca do serviço de microblog para recuperar e mapear informações sobre terremotos em tempo real. O “USGS: Twitter Earthquake Detector” pretende coletar mensagens relacionadas a terremotos e mapeá-las de modo a propiciar a detecção de terremoto dentro de 60 segundos do ocorrido, um grande avanço em relação aos 2 a 20 minutos necessários aos sistemas científicos atuais de alerta. Usando o Twitter para esse propósito permite não apenas o conhecimento relativamente instantâneo do terremoto, mas também a disponibilidade em primeira mão do grau de destrutibilidade através de fotos e imagens do local do evento fornecidas por “humanos como sensores”.
Durante a Conferência “Web 2.0 Summit 2009”, realizada de 20 a 22/10/09 em San Francisco, Brady Forrest do grupo O'Reilly Media organizou um painel intitulado “Humans As Sensors”, para o qual convidou representantes de quatro organizações que trabalham com aplicativos inovadores utilizando sensores: Markus Tripp (Mobilizy), Deborah Estrin (Departamento de Ciência da Computação, UCLA), Sharon Biggar (Path Intelligence), e Di-Ann Eisnor (Waze).
O Waze é um aplicativo de crowdsourcing de tempo-real e de mapeamento ao vivo. Funciona nos principais modelos de smartphone, e seu serviço é denominado por seus criadores de “cartografia transacional”, pois propicia navegação passo a passo no trânsito baseada em informações de crowdsourcing de tempo real coletadas das mais diversas fontes: Twitter, banco de dados sobre informações típicas daquela localização (velocidade média de tráfego, por exemplo).
A Path Intelligence traz inovação ao mundo das vendas a varejo, em particular os chamados shopping centers, através de um aplicativo chamado “FootPath”: o sistema consiste de um pequeno número de unidades de monitoração instaladas num shopping Center que calculam o movimento de consumidores sem que haja a necessidade de que os consumidores estejam portando algum equipamento, pois as pquenas “torres” medem os sinais que vêm dos seus aparelhos celulares usando uma tecnologia que pode localizar a posição de um determinado consumidor com uma margem de 1 a 2 metros. As unidades alimentam esses dados (24 horas por dia, 7 dias por semana) a um centro de processamento no qual os dados são auditados e uma análise estatística sofisticada é aplicada para criar informações continuamente atualizadas sobre o fluxo de consumidores dentro do shopping center. E a qualquer momento a gerência do shopping center pode acessar esses dados através da internet, e tomar providências baseadas em informações de tempo real. Sharon Biggar, representante da Path Intelligence, sugere uma analogia com o Google Analytics, pois trata-se de coletar dados de sensores, e analisá-los, tudo isso disparado por sinais dos próprios aparelhos celulares, sem a necessidade de instalação de software ou equipamento especial.
Exemplo de verdadeiro engajamento de humanos como sensores, o projeto de “sensoriamento participativo” liderado pela Professora Deborah Estrin da Universidade da Califórnia em Los Angeles, impressiona pelo seu potencial cívico: numa das aplicações de sensoriamento participativo, visitantes de determinados parques nacionais americanos podem contribuir diretamente no controle de ervas daninhas invasivas cujas espécies já se sabe que atacam determinadas regiões, informando a um portal específico (“whatisinvasive.com”), através de imagens e localizações exatas, a ocorrência de tais plantas nocivas ao ecossistema do parque sendo visitado. No mesmo sentido, cidadãos podem informar ao portal quais ervas invasivas ainda não cadastradas estão prejudicando a flora e/ou fauna em sua região, de modo a tentar clamar por ajuda. Ao mesmo tempo que oferece ao indivíduo a chance de contribuir explicitamente com dados para o bem comum, o sensoriamento participativo pode ser usado para o benefício imediato do indivíduo, no que Estrin classifica como captura implícita de dados: o projeto “bikestatic.com” mantém um banco de dados sobre rotas de ciclistas urbanos que são coletados com base nos dados capturados pelos sensores de localização e locomoção dos celulares de ciclistas participantes, e essa informação serve ao indivíduo na medida que o informa sobre duração da jornada, nível de poluição sonora e ambiental nos trechos do percurso, e até mesmo o grau de violência urbana que o ciclista pode encarar conforme o trecho.
E a mensagem do projeto de sensoriamento participativo é cativante: “se você não pode ir a campo com o sensor que você deseja, vá com o sensor que você tem”.

(Ruy José Guerra Barretto de Queiroz, Professor Associado, Centro de Informática da UFPE)
ÚLTIMA ATUALIZAÇÃO ( TER, 03 DE NOVEMBRO DE 2009 07:56 )

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