terça-feira, 15 de junho de 2010

Tecnologia da Informação, Crescimento Exponencial e a Singularidade


Tecnologia da Informação, Crescimento Exponencial e a Singularidade

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É bem verdade que o ritmo alucinante de evolução tecnológica parece estar restrito aos computadores e à eletrônica, mas uma devida reflexão revela um padrão mais sutil e mais onipresente no mundo contemporâneo do que se imagina. Conforme vem demonstrando já há algum tempo Ray Kurzweil ao longo de sua premiada, ainda que não completamente incontroversa, carreira de cientista e futurólogo, não apenas a computação, mas também as comunicações, as tecnologias biológicas (tais como seqüenciamento de DNA), as tecnologias médicas (tais como a varredura não-invasiva e o conhecimento do cérebro humano), as técnicas de aproveitamento da energia solar com a ajuda da nanotecnologia, tudo isso experimenta um crescimento exponencial. Em suma, onde há tecnologia da informação, observa-se um crescimento um tanto previsível: a duplicação da potência (preço versus desempenho, capacidade, largura de banda) a cada ano. E esse crescimento exponencial é suave, gradual, incremental, matematicamente idêntico em cada ponto, mas, em última instância, profundamente transformador.
Como a duplicação não acontece indefinidamente, a tecnologia da informação progride através de uma série de curvas de crescimento denominadas de S-curvas, cada uma representando um paradigma diferente. (Uma S-curva, ou curva sigmoidal, assim denominada em 1844 por Pierre François Verhulst que a estudou em relação ao crescimento de populações, começa com um estágio de crescimento aproximadamente exponencial, e, à medida que se aproxima da saturação, o crescimento desacelera e acaba parando. É quando ocorre a mudança de paradigma.) Exemplo célebre, a Lei de Moore (“a quantidade de transistores em um chip duplica a cada 18 meses, enquanto que o preço cai pela metade”), enunciada nos anos 1960’s, não é o primeiro paradigma a trazer o crescimento exponencial para a computação, lembra Kurzweil. Nos anos 1950’s eram as válvulas que decresciam de tamanho, até que chegou a um limite, e aí deram lugar aos transistores, que, por sua vez, foram substituídos pelos circuitos integrados. No próximo paradigma, ao que tudo indica, será a vez dos circuitos moleculares auto-organizáveis tridimensionais.
Em palestra proferida na sede da Google em 01/07/2009 sobre seu livro a ser lançado “How the Mind Works and How to Build One”, Kurzweil chama à atenção para o fato de que já no seu início o século XXI demonstra que será uma era na qual a própria natureza do que significa ser humano será não somente enriquecida mas também desafiada, na medida em que a espécie humana rompe os grilhões de seu legado genético, e atinge níveis inconcebíveis de inteligência, progresso material e longevidade. A taxa de mudança de paradigmas está hoje dobrando a cada década, de modo que, nesse ritmo, o século XXI deverá testemunhar 20.000 anos de progresso. O livro, segundo Kurzweil, é essencialmente sobre a possibilidade de se fazer uma engenharia reversa do cérebro, mas ele se refere à mente de modo a trazer à tona as questões fundamentais sobre a consciência. “Um cérebro se torna uma mente à medida em que ele se mistura com seu próprio corpo, e, na verdade, nosso círculo de identidade vai além do nosso corpo”, acrescenta Kurzweil, afirmando que embora haja interação com o ambiente, não há uma clara distinção entre quem somos e o que não somos. O propósito da engenharia reversa do cérebro humano seria entender os princípios básicos da inteligência.
Em uma cartada ainda mais audaciosa, Kurzweil, em co-autoria com o médico homeopata Terry Grossman, publicou recentemente “Transcend: Nine Steps to Living Well Forever” (Rodale Books, Abril 2009) no qual afirma que a medicina está cada vez mais se integrando com a tecnologia da informação, e dessa forma fazendo avanços também a um ritmo exponencial. Ao leitor interessado em uma “extensão radical da vida”, os autores recomendam estabelecer como objetivo imediato se manter vivo nos próximos 20 anos de modo a poder vivenciar os avanços em reprogramação de DNA e os robôs submicroscópicos reparadores de células. A bem da verdade, já em 2006 no livro intitulado “The Singularity Is Near: When Humans Transcend Biology” (Penguin) Kurzweil defendia que a humanidade está no limiar de uma era que deverá tornar realidade a intercalação da biologia com os avanços mais espetaculares da tríade Genética, Nanotecnologia e Robótica (GNR) levando à criação de uma espécie humana com inteligência, durabilidade, compreensão e memória irreconhecivelmente altas. Além desse limiar, também chamado de singularidade, estaria reservado um futuro imprevisível e qualitativamente diferente dos tempos atuais.
Procurando levar sua mensagem ao grande público sobretudo no que diz respeito às ramificações sociais e filosóficas das profundas mudanças que antevê, Kurzweil se envolveu diretamente na produção de um filme documentário com première em Nova Iorque já marcada para 24 de Junho chamado “The Singularity is Near: A True Story About the Future”, baseado em parte no seu livro “The Singularity Is Near”. Intercalando ficção com realidade, o filme traz o próprio Kurzweil entrevistando 20 pensadores entre os quais Marvin Minsky, além de uma estória narrativa que ilustra algumas de suas idéias e traz como protagonista um avatar (Ramona) que salva o mundo de robôs microscópicos auto-replicantes.
Um outro filme documentário de longa metragem intitulado “Transcendent Man” foi lançado em 2009, dirigido por Robert Barry Ptolemy, no qual Kurzweil aparece explicando que a Singularidade, um ponto num futuro próximo em que a tecnologia estará evoluindo tão rapidamente que os seres humanos terão que se “reforçar” com inteligência artificial para poder acompanhar. Seria o alvorecer de uma nova civilização na qual não mais seríamos dependentes do nosso corpo, seríamos trilhões de vezes mais inteligentes, e não haveria distinção entre humanos e máquinas, entre a realidade verdadeira e a realidade virtual.
A repercussão de suas previsões sobre a Singularidade tomaram corpo a ponto de, juntamente com o empreendedor Peter Diamanidis (fundador da X-Prize Foundation), e com o apoio de diversas empresas e líderes na área da ciência e da tecnologia do Vale do Silício (tais como Vint Cerf, Bob Metcalfe, Larry Page e Sergey Brin), abrir caminho para a fundação da Singularity University: “uma universidade interdisciplinar cuja missão é reunir, educar e inspirar quadros de liderança que busquem entender e facilitar o desenvolvimento de tecnologias que avançam exponencialmente, de modo a encarar os grandes desafios da humanidade. Com o apoio de uma ampla gama de líderes na academia, nos negócios e no governo, a SU espera estimular o pensamento inovador e disruptivo focado na resolução de alguns dos desafios mais prementes do planeta. A SU é baseada no campus de Ames da NASA no Vale do Silício.”
Em palestra recente com o título “The Democratization of Disruptive Change” proferida no encontro “H+ Summit at Harvard – Rise of the Citizen-Scientist” (12-13 Junho, 2010), Ray Kurzweil expôs sua visão sobre quais seriam os caminhos mais eficazes para se chegar a um verdadeiro entendimento do cérebro humano, ao mesmo tempo em que apresentou respostas aos críticos de suas interpretações sobre o crescimento exponencial da tecnologia da informação. Segundo seus cálculos, estaríamos a apenas duas décadas de modelar e simular completamente o cérebro humano. Kurzweil afirma que é somente estendendo nossa inteligência com tecnologia inteligente que podemos arcar com a escala de complexidade para lidar com os grandes desafios da humanidade: manter um meio-ambiente saudável, propiciar recursos para uma população crescente incluindo energia, alimentação e água, suplantando a doença, estendendo amplamente a longevidade humana, e erradicando a pobreza.
Extrapolações exacerbadas à parte, não há como negar um voto de confiança a quem, além de ter sido um dos pioneiros em reconhecimento ótico de caracteres, síntese de texto para voz, tecnologia de reconhecimento de voz, e instrumentos de teclado eletrônico, já recebeu dezenove títulos de Doutor Honoris Causa, além de honrarias de três presidentes americanos. Como se não fosse bastante, Kurzweil publicou seis livros, quatro dos quais figuraram na lista de bestsellers.
 
Ruy José Guerra Barretto de Queiroz, Professor Associado, Centro de Informática da UFPE

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